quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O convidado

Inicio este blog com um conto, inspirado numa situação real.
Acredito que depois deste conto, virão outros e mais outros... se estiver disposto a lê-los, acompanhe-me.

Joaquim convidou alguns amigos para jantar e jogar conversa fora. Durante algum tempo, os amigos foram espiados por Paulino, vizinho de Joaquim. Paulino se dizia descendente da nobreza portuguesa, bisneto do Visconde de Timone, conhecedor de arte, música e principalmente gastronomia. Da abastança, só lhe sobrou o título. Recebia pensão do governo de um salário mínimo e meio pelo tempo que trabalhara como escrivão de polícia. Apesar de tudo, não perdeu a compostura, sua maior qualidade continuava sendo a soberba, adquirida em épocas de fartura. Tudo Paulino conhecia, tudo Paulino já havia visto, nada era novidade.
O prato principal do jantar era ovelha assada, feita com muito cuidado e carinho por Joaquim. O preparo foi de acordo com a receita de seu pai, tradicional na família Barreto e que ninguém fora do clã Barreto conhecia. A receita era guardada a sete chaves.
De fato, a ovelha era apresentada de maneira intrigante. Mais parecia um porco assado inteiro com uma maça na boca. O dorso do animal posicionava-se para baixo, as patas para cima. Depois 08 horas de preparo, a carne se tornava macia e saborosa, com um perfume que se espalhava lentamente pela vizinhança.
Não demorou muito e a porta da frente se abriu. Guiado pelo cheiro entra Paulino se convida para o jantar. Joaquim bom anfitrião que é, o recebe com presteza arranja mais uma cadeira, um prato, talheres e um copo daqueles de requeijão.
Paulino foi o primeiro a se aproximar da mesa, e pelo jeito demoraria um bom tempo para se distanciar dela. O convidado fartou-se de comer e beber, com uma voracidade que não condizia com a nobreza de seu título. Num arrombo de nostalgia contou suas histórias homéricas de quando morou no velho mundo, do que conheceu lá, falou um pouco em francês, até ensaiou uma canção. No meio do jantar, depois de repetir por duas vezes, e preparar a quarta investida à ovelha, Paulino pediu espaço para um discurso. Logo, o ambiente foi invadido pela voz estridente de Paulino, tão guloso quanto inflamado orador:
- Meus amigos, aqui estamos prestigiando nosso anfitrião Joaquim! Apesar da falta de trato na organização da festa, do vinho barato, das toalhas de algodão e das cadeiras de plástico posso dizer que o jantar está bom. Nem de longe se assemelha ao que é servido nos salões da Europa, que tive prazer de conhecer pessoalmente, mesmo assim está adequado. Como bom conhecedor de carnes que sou, devo elogiar principalmente este porquinho, pois o mesmo está saboroso.
O silêncio pairou no ar, silenciaram os talheres e os copos, afrouxaram-se as gargalhadas. O anfitrião sem perder a compostura, e no mesmo tom carismático de sempre responde ao convidado:
- Agradeço ao elogio, porém não se trata de porco Paulino, isso é uma ovelha. Pelo jeito, seu discurso é mais afiado que seu paladar.